domingo, 17 de maio de 2009

COELHOS (bairro, Recife)

COELHOS (bairro, Recife)
Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


Durante o século XVI, as cidades do Recife e Olinda receberam muitos imigrantes judeus que fugiam das perseguições inquisitórias existentes na Península Ibérica. Na época dos descobrimentos, a população judaica, em Portugal, era bem significativa, correspondendo a 30% do total dos habitantes lusos. De acordo com Kaufman (2000), durante a ocupação holandesa vieram para o Recife judeus, alemães e poloneses, fugindo da Guerra dos Trinta Anos (1620), e dos massacres de 1648 e 1649.

Desconhece-se o tamanho exato da população judaica em Pernambuco, após o descobrimento. Mas, os pesquisadores estimam que, durante o domínio holandês, viviam no Recife cerca de 300 judeus (MELLO, 1996). Durante o período de dominação flamenga, as terras que pertencem ao atual bairro dos Coelhos eram chamadas de Cemitério dos Judeus, porque ali eram realizados os sepultamentos de judeus.

Segundo Moura (2002), o cemitério judaico já havia sido assinalado em mapas da época dos holandeses. Gonsalves de Mello, com base nesses mapas, admite que o cemitério se localiza no atual Sítio dos Coelhos, no bairro da Boa Vista. E o historiador Mota Menezes aponta, com relativa precisão, o lugar onde está o cemitério, partindo de sobreposições dos mapas mais antigos aos mais recentes. O escritor José Alexandre Ribemboim, além disso, informa que, visitando pessoalmente os sítios descampados, situados nos fundos de duas instituições religiosas na rua da Glória - o Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e o Dispensário Santo Antônio – como, ainda, de uma empresa privada - o Armazém de Madeiras de Amadeu Barbosa - foi-lhe possível delimitar três retângulos onde se devem processar as prospecções arqueológicas (MOURA, 2002, p. 290).

Sabe-se que eram cristãos-novos (judeus recém convertidos ao catolicismo para escapar da Inquisição) os portugueses Gaspar da Gama (o intérprete da armada de Cabral), Fernando de Noronha, João Ramalho, o donatário Duarte Coelho Pereira, o poeta Bento Teixeira, e tantos outros. A capitania de Pernambuco, portanto, foi povoada, inicialmente, por muitos judeus, dos mais distintos lugares e profissões.

Com a invasão holandesa e a chegada do conde Maurício de Nassau para Pernambuco, os judeus passaram a usufruir a liberdade disponibilizada para as suas práticas religiosas e costumes próprios.

As terras dos Coelhos, por terem sido adquiridas pelos descendentes da família Coelhos Cintra, ficaram conhecidas como Sítio dos Coelhos. Em 1818, a propriedade pertencia aos herdeiros de João Coelho da Silva, contendo uma grande casa de vivenda (com um sobrado), uma capela e uma senzala de escravos.

Em 13 de agosto de 1824, as terras foram vendidas por Elias Coelho e adquiridas pelo governo para servir de local para um matadouro e currais de gado. Lá foram estabelecidos, inclusive, um curtume e uma fábrica de atanados.

Uma lei estabelece, em 13 de outubro de 1831, que fosse fundado nos Coelhos um hospital de caridade: o hospital São Pedro de Alcântara. Em 1846, porém, o hospital é transferido para a antiga construção da casa de vivenda dos proprietários do Sítio dos Coelhos, porque ela possuía grandes dimensões, comportava dois pavimentos, uma fachada e fundos bem largos, prestando-se, portanto, para tal finalidade.

No ano de 1847, o governo adquire um terreno, de propriedade de João José dos Anjos Pereira, e constrói um prédio nas imediações, que foi chamado de hospital Pedro II. Na entrada da construção existe um pequeno pórtico de cantaria portuguesa, entre duas colunas que sustentam o frontão onde se vê a escultura de uma mulher (simbolizando a caridade) e uma criança.

No vestíbulo do hospital estão duas lápides:

Hospital Pedro II. Creado pela lei provincial de 17 de novembro de 1846. Collocou-se a primeira pedra sob a presidência do exmo. sr. conselheiro d. ANTONIO PINTO CHICHORRO DA GAMA, em 25 de março de 1847.

Santa Casa de Misericórdia do Recife. Autorizada pela lei provincial de 12 de junho de 1838. Inaugurada em 29 de julho de 1860 pelo zelo infatigável do dr. Ambrozio Leitão da Cunha, presidente de Pernambuco. Aberta como azilo ao infortúnio pelos esforços e piedade do mesmo presidente. Aos 10 de março de 1861.

Existe, também, uma placa ao indigente, com uma frase de Gustavo Corção:

Não há vidas inúteis: a mais obscura, que ainda traga aceso e quente o mais malogrado coração, é ainda um bem inestimável e insubstituível, único no gênero, necessário à harmonia do universo. Gustavo Corção. Homenagem dos médicos de 1954 ao Indigente.

Às margens de todo o rio Capibaribe, dentro da água e da lama, a população pobre constrói palafitas, fazendo surgir grandes favelas urbanas em locais alagados. A esse respeito, o convívio de pessoas e animais, no mesmo habitat, deu margem a que o escultor pernambucano Abelardo da Hora desenhasse uma série de gravuras que formaram a preciosa coleção Meninos do Recife.

O atual bairro dos Coelhos tem sido alvo de constantes melhorias, por parte da Prefeitura do Recife e dos governos estaduais. Eles vêm preservando as fachadas antigas, pavimentando as ruas, restaurando e ampliando a ponte Velha, a balaustrada da rua Dr. José Mariano (a chamada, também, de Cais Zé Mariano), entre outros benefícios.

A igreja de São Gonçalo, depois de restaurada, adquiriu características de "bolo de noiva". Nela se encontram imagens de valor: duas estátuas de São Benedito; uma de São Gonçalo, no altar-mor, o Bom Jesus das Dores crucificado, e a popular Nossa Senhora dos Impossíveis. Na capela-mor está registrada uma data: 1712.

A rua de São Gonçalo possui algumas casas com fachada em azulejos: as de números 30, 34, 42, 212. Na rua Santa Cruz, encontra-se o pórtico do Mercado Municipal da Boa Vista. E na rua Leão Coroado existiu a sinagoga Talmud-Torá (fundada em 1936 pelo Sr. Jaime Kelner e filhos).

Chamada antigamente de rua Nova da Boa Vista, a rua Velha apresenta vários sobrados interessantes nos números 180, 182, 186, 201, 228, 233, 239, 302, 308, 327, e 408.

Na rua Dr. José Mariano (o também chamado Cais Zé Mariano) pode-se observar uma série de armazéns de madeira e lojas comerciais. Na casa de número 186, vale registrar, foi construída, em 1972, a Igreja Presbiteriana Fundamentalista do Recife: um templo quadrangular com vitrais (contendo muitos versículos), rosácea e arco em ogiva.

Na primeira metade do século XX, na rua da Glória número 215, funcionava uma Sinagoga dos Sefaradim. Chamam-se de sefaradim os judeus provenientes da Espanha (sefarad), que emigraram para Portugal e, posteriormente, foram para os Países Baixos, sul da França, Inglaterra, Itália, e norte da África. Nesse mesmo local, foi construído o Centro Cultural Israelita de Pernambuco, que funcionou até a década de 1950 (KAUFMAN, 2000).

No número 375, da mesma rua, além de várias casas com fachadas de azulejos, encontra -se hoje a Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Glória, e a data 1791. Antigamente, a instituição tinha o nome de Recolhimento de Nossa Senhora da Glória do Recife. Na capela desse convento, estão os jazigos de dois padres, que faleceram no final do século XVIII. Nessas mesmas terras, foram sepultados os judeus que vieram para o Recife no século XVI, fugindo da Santa Inquisição.


Fontes consultadas:

COSTA, F. A. Pereira da. Arredores do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981.

GALVÃO, Sebastião de Vasconcellos. Diccionario chorografico, histórico e estatístico de Pernambuco. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. 4 v.

GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. Recife: Fundação Guararapes, 1970.

KAUFMAN, Tânia Newmann. Passos perdidos, história recuperada – a presença judaica em Pernambuco. Recife: Edição do Autor, 2000.

MELLO, José Antônio Gonsalves de; SANTOS, Maria Helena Carvalho dos. Gente da nação; cristãos-novos e judeus em Pernambuco – 1542, 1654. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1996.

MOURA, Hélio Augusto de. Presença judaico-marrana durante a colonização do Brasil. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v. 18, n. 2, p. 267-292, jul./dez., 2002.

ZISMAN, Meraldo. Jacob da balalaica. Recife: Bagaço, 1998.


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