sábado, 16 de maio de 2009

CASTRO ALVES

CASTRO ALVES

Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

No dia 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, situada no povoado de Curralinho, na Bahia, nascia Antônio de Castro Alves. Seus pais eram o médico Antônio José Alves e Clélia Brasília da Silva Castro. O apelido daquele menino era Cecéu.

A família Alves residiu naquela fazenda somente alguns anos. Em seguida, todos se mudaram para a cidade de Salvador, inicialmente para a rua do Passo, número 47 e, depois, para a chácara da Boa Vista. Esta última marcaria Cecéu para sempre com a lembrança de um tronco e de uma senzala, assim como pelo sentimento de orfandade: Antônio perdia a mãe aos 12 anos de idade. Com a morte de Clélia, a família Alves se mudava para a casa número 18, no Pelourinho.

Através de uma propaganda do Colégio Baiano, escola em que o adolescente freqüentava, o nome Antônio de Castro Alves já começava a aparecer na imprensa. Em determinada ocasião, ao visitar aquele Colégio, o imperador D. Pedro II ficaria encantado com o poeta-mirim: este, além de cumprir o programa escolar, também criava versos infantis e traduzia as obras de seu autor predileto, o escritor francês Victor Hugo.

Entretanto, somente a partir de 1860, a conhecida produção literária de Castro Alves teria início. Apesar de, em casa, o Dr. Alves lhe repreender por aquela entrega aos exercícios rimados de decassílabos, Cecéu nunca mais deixaria de versejar: havia nascido para isto!

O adolescente possuía, também, o hábito da leitura, e enveredava pelas obras dos principais poetas e escritores clássicos, tais como Camões, Bocage, Virgílio, Dante, Lamartini, Byron e Musset.

Aos 15 anos, juntamente com seu irmão, Antônio vinha morar no
Convento de São Francisco, no Recife, e, em seguida, mudava-se para uma casa às margens do rio Capibaribe. O rapaz se tornaria um assíduo colaborador dos jornais O Futuro e o Jornal do Recife e um dos fundadores e principais responsáveis do jornal A Luz.

O poeta era alto, forte, esbelto, sensual, elegante e vaidoso. Saía de casa vestido de preto, colocava óleo nos cabelos, pó de arroz no rosto e dizia, então, na frente de um espelho: "Tremei, pais de família! Don Juan vai sair."

Ainda adolescente, ele abandonaria a república de estudantes para ir viver com Idalina - a Bárbara da sua poesia Os Anjos da Meia-Noite - em uma casa alugada na rua do Lima, próxima ao atual
Cemitério de Santo Amaro.

Esse idílio, contudo, teve a duração de um ano, apenas. Isto porque o poeta, um freqüentador assíduo do Teatro de Santa Isabel, conheceria Eugênia Infante da Câmara, uma bela e bem sucedida atriz portuguesa, e, por ela, cairia perdidamente de amores.

Cabe salientar que, com a idade de 16 anos, imberbe e apaixonado, o poeta jamais levaria em consideração alguns fatores que poderiam pesar contra tal escolha: sua musa era dez anos mais velha que ele, tinha se casado antes (com o ator Luís Cândido Furtado Coelho) e possuía uma filha. Além disso, tendo se separado do marido, era a amante de um rico português chamado Veríssimo Chaves.

Do ponto de vista de Castro Alves, Eugênia era, além de bonita, uma mulher experiente e possuidora de uma mentalidade muito aberta. E, para a atriz, representar a fonte de paixão de um jovem poeta, charmoso e genial, era algo que ela gostava.

Nesse período, inspirado no amor sentido pela atriz, o poeta escreveria Meu segredo:

[...] Mas que louco sonhar...Ó minha amante,
Que nunca nos meus braços desmaiaste,
Que nem sequer de amor uma palavra
Dos meus lábios em fogo inda escutaste,
Perdoa este sonhar vertiginoso!
Foi um sonho do peito deliroso!
....Recorda-te do pobre que em silêncio
De ti fez o seu anjo de poesia,
Que tresnoita cismando em tuas graças.
Que por ti, só por ti, é que vivia,
Que tremia ao roçar de teu vestido,
E que por ti de amor era perdido..
Sagra ao menos uma hora em tua vida
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira,
Que em teus olhos, febril e delirante,
Bebeu de amor a inspiração primeira,
Mas que de um desengano teve medo,
E guardou dentro d’alma o seu segredo.


Em 1864, Castro Alves entraria na
Faculdade de Direito do Recife. Combatendo fortemente a escravidão, ele sonhava com a libertação da raça negra, tendo como mentor, do ponto de vista intelectual, o grande estadista americano Abraham Lincoln, o presidente que, em 1863, aboliria a escravatura nos Estados Unidos.

Eugênia da Câmara, enquanto isso, a primeira atriz da Companhia de Duarte Coimbra, continuaria sendo a maior fonte do seu amor. E o poeta, com um sorriso nos lábios, com um verso ou um convite para fugirem, sempre estaria na platéia a cortejá-la.

Quem poderia resistir ao maior poeta do Brasil?

A fim de ser amada pelo adolescente, a atriz terminaria concordando em sacrificar a carreira. E o casal iria morar no Barro, perto da localidade de Tijipió. Nesse período, além de inúmeros poemas, o poeta também escreveria o drama intitulado Gonzaga ou A Revolução de Minas, o qual foi encenado pela primeira vez no dia 7 de setembro de 1867.

Vale a pena ressaltar que, apesar de todos reconhecerem a excelência da produção poética de Castro Alves, esse métier não lhe rendia dinheiro: ele sobrevivia às expensas de uma mesada de 80 a 100 mil réis, que a família mensalmente lhe enviava.

Ainda em 1867, o poeta abandonava o curso de Direito, embarcando com Eugênia para Salvador. Nesta cidade, mesmo tendo sido muito bem recebido por parentes e amigos, o jovem não quis se hospedar com Eugênia na casa da família, já que vivia com ela uma situação bem pouco ortodoxa para a época: foi morar com a atriz no Hotel Figueiredo, situado no antigo largo do Teatro, hoje chamado de Praça Castro Alves.

Mas, os rumores da vida privada do casal se espalhariam pelas vias públicas, dando margem à seguinte indagação: aonde já se viu um rapaz de boa família, aos 20 anos de idade, ter como amante uma atriz cômica de 30 anos, já separada do marido e mãe de uma filha?

O estudante-poeta-dramaturgo e a atriz, contudo, não dariam qualquer importância aos boatos que corriam a seu respeito: eles viajariam para São Paulo no ano seguinte. Nesta cidade, devido às cartas enviadas por
José de Alencar e Machado de Assis o casal foi muito bem recebido. Eugênia Câmara, em particular, já figurava no elenco do Teatro São José, brilhando em todos os espetáculos.

Castro Alves tinha se matriculado no 3º ano jurídico, mas continuava mais preocupado com poemas e teatro do que com a formação universitária propriamente dita. Por onde passava, Castro Alves era recebido como um verdadeiro herói, recebendo convites constantes para participar de saraus literários e musicais, patrocinados pelo Arquivo Jurídico de São Paulo, bem como de manifestações políticas. Na faculdade, por sua vez, ele era colega de
Rui Barbosa.

Quanto ao teor da produção literária do poeta, este podia ser tanto brando e suave, cantando, como ninguém, a beleza das mulheres, quanto ser duro como um diamante, levantando as multidões, destemido, através do seu grito contra a dominação dos negros escravos, contra o tronco, o pelourinho e os horrores da senzala. Neste sentido, os jovens paulistas receberam Castro Alves apoteoticamente como símbolo da República, do Abolicionismo e da Democracia. No dia 11 de junho de 1868, o poeta declamaria Vozes d’Africa, contendo 114 versos, um de seus mais exaltados, harmoniosos e belos trabalhos:

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrelas tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
...Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!...

Pouco depois, produziria A mãe do cativo:

Ó Mãe do cativo! Que alegre balanças
A rede que ataste nos galhos da selva!
Melhor tu farias se à pobre criança
Cavasses a cova por baixo da relva.

Escreveria, ainda, o célebre poema intitulado O Navio Negreiro:

[...] Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura...se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! Pro que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! Noite! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
...Ontem a Serra Leoa,
a guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão..
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...


Por causa do grande ciúme sentido por ambas as partes, o casal viveria uma relação intensa e atribulada. E, em novembro de 1868, Eugênia abandonaria o poeta, deixando-o prostrado e sem entusiasmo.

Como se isso não fosse o bastante, certa manhã, enquanto Castro Alves carregava uma espingarda (ia caçar perdizes) ocorreria um acidente ao pular um córrego: tentando se firmar na ribanceira, ele detonaria a carga de chumbo da arma contra o seu próprio calcanhar esquerdo.

Alguns meses após o acidente, a ferida do pé continuava aberta e a saúde do poeta piorava a cada dia, surgindo novas complicações: febres constantes, hemorragias, perda de muito peso e, por fim, a tuberculose, inclusive.

Sem outra alternativa, Castro Alves amputava o pé na altura do tornozelo. A cirurgia teve que ser realizada sem anestesia, uma vez que o poeta estava tão fraco que não resistiria ao clorofórmio, o único anestésico disponível na época.

O seu médico particular, um competente veterano da Guerra do Paraguai, garantindo a cura para o ferimento assim lhe falou: "São só dois minutos, meu filho. Coragem!" E o poeta, sabendo que a operação seria realizada a sangue frio, ainda conseguiu elaborar um gracejo: "Corte-o, corte-o doutor. Ficarei com menos matéria que o resto da humanidade." Ao término do ato cirúrgico, o cirurgião contaria trinta e seis grãos de chumbo encravados no pé de Castro Alves.

Durante os meses de convalescença, já separado de Eugênia, o poeta ficava recolhido na casa de um amigo. E a atriz, por sua vez, numa tentativa de reabilitar a sua carreira artística, casava-se com o maestro Antônio de Assis Osternold.

Nessa época, Castro Alves produziria vários desenhos e telas a óleo, e ainda teria um encontro de amor com Eugênia. Tristonho, ele evitava sair às ruas: simplesmente não queria que ninguém lhe visse andando de muletas ou de cadeirinha.

Aconselharam-no a viajar ao sertão da Bahia, para respirar o ar puro do interior e tentar melhorar a sua capacidade respiratória, já abalada devido à presença da tuberculose. Sendo assim, o poeta seguia para uma antiga fazenda dos seus parentes maternos.

Nesse período, Castro Alves produziria os poemas Aves de Arribação e As Duas Flores. Mas o poeta, que tanto amava declamar em público, já não tinha mais condições para fazê-lo, uma vez que estava com o pulmão comprometido e a voz rouca. A despeito do fato de não haver piorado, os ares do sertão não puderam fazer o milagre esperado.

Em todos os momentos de sua vida, Castro Alves sempre encontraria o mesmo remédio para os seus males e a sua solidão: o amor! Ainda que manco e doente, continuava a ser o Don Juan de outrora. Superada a dolorosa separação de Eugênia, ele viria a adquirir novas musas inspiradoras, passando a se entusiasmar por outras mulheres, dentre as quais Leonídia Fraga, a companheira das quietas tardes no sertão. A Leonídia, o poeta dedicava, pelo menos, quatro de suas poesias.

Em vida, no que diz respeito à edição de suas obras, Castro Alves publicaria apenas uma coletânea de poemas líricos e Espumas Flutuantes, seu único livro impresso. Um segundo livro intitulado - Os Escravos - só sairia postumamente.

A grande e última musa do poeta foi a soprano italiana Agnese Trinci Murri. Primeiro, o poeta enamorou-se de sua voz e, em seguida, se apaixonaria pela própria cantora. Porém, Agnese jamais se renderia aos sentimentos de Castro Alves, ou às poesias e cartas de amor que ele lhe escreveu: sempre resistia ao relacionamento amoroso entre ambos.

E a saúde do poeta piorava cada vez mais. No dia 29 de junho de 1869, quando ele já se encontrava acamado, Agnese pediria para vê-lo uma última vez. E Castro Alves assim falou para Adelaide, uma das irmãs que cuidava dele: Não! Não a deixe entrar... Ela, mais do que ninguém, não deve guardar de mim uma lembrança de ruína. Que me recorde como sempre me viu, como me conheceu... Não! Não a deixe entrar.

Entre um acesso e outro de tosse, o incansável abolicionista implorava ao Senhor: Dai-me, meu Deus, mais dois anos para escrever tudo o que tenho na cabeça!...

Castro Alves, o grande poeta dos escravos, viria a falecer na tarde do dia 6 de julho de 1869, com apenas 24 anos de idade. Desde a morte, no entanto, a sua popularidade só tem feito aumentar.

Em 1896, quando a Academia Brasileira de Letras (ABL) foi fundada, deram o seu nome à Cadeira nº 7 e colocaram, na porta de entrada, um medalhão contendo o belo rosto do poeta.

Os seus trabalhos influenciaram os cordelistas e a literatura popular do Nordeste; vários dos seus poemas, tais como O Adeus de Teresa, Boa-Noite, Adormecida, Sonhos de Boêmia e Pensamento de Amor, hoje encontram-se musicados; e o seu livro, Espumas Flutuantes, já obteve mais de 125 edições.

Com o nome Castro Alves existem, hoje, vários monumentos, escolas, praças, parques e ruas em todo o Brasil. O grande poeta seria, ainda, em vários carnavais, o tema inspirador de sambas-enredos e desfiles de escolas.

A antiga fazenda Cabaceiras onde Cecéu nasceu, situada no município de Cabaceiras do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, transformou-se no atual Parque Histórico Castro Alves, que recebe muitos visitantes de todos os Estados brasileiros e do exterior.

Por fim, em 1947, o ano do centenário de nascimento do poeta, transferiram os seus restos mortais para um nicho existente no pé de sua estátua, na famosa praça Castro Alves, em Salvador.


Fontes consultadas:

ALMEIDA, Norlandio Meirelles de. Cronologia de Castro Alves. São Paulo: Editora Pedro II, 1960.

AMADO, Jorge. A.B.C. de Castro Alves. 26. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.

CALMON, Pedro. Castro Alves: o homem e a obra. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1973.

CASTRO Alves, poesias: edição comemorativa dos 150 anos de nascimento de Antônio de Castro Alves. Rio de Janeiro: Odebrecht; São Paulo: Nova Terra Comunicações; Brasília, DF: Fundação Banco do Brasil, 1997.

MASCARENHAS, Maria da Graça. Castro Alves, biografia: edição comemorativa dos 150 anos de nascimento de Antônio de Castro Alves. Rio de Janeiro: Odebrecht; São Paulo: Nova Terra Comunicações; Brasília, DF: Fundação Banco do Brasil, 1997.

MATOS, Edilene. Castro Alves no folheto de cordel. [s.n.t.]

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