sábado, 16 de maio de 2009

ALGODÃO



Datam de oito séculos a.C. as referências históricas sobre o algodão. Os egípcios o conheciam e cultivavam na Antigüidade; e os Incas, e outras civilizações antigas, já utilizavam o algodão em 4.500 a.C. O algodoeiro (Gossypium hirsutum L.) é uma planta arbustiva e perene, de crescimento indeterminado, e desenvolvimento vegetativo e reprodutivo simultâneo. A palavra deriva de al-quTum, na língua árabe, porque foram os árabes que, na qualidade de mercadores, difundiram a cultura do algodão pela Europa. Ela gerou os vocábulos cotton, em inglês; coton, em francês; e, cotone, em italiano.

Nos anos 1500, no início da colonização, havia certas espécies de algodão sendo cultivadas em território nacional. No Brasil, pouco se conhece da pré-história dessa planta, mas, os portugueses, quando aqui chegaram, perceberam que os índios conheciam o algodão, já sabiam fiá-lo e dele faziam tecidos.
Há uma lenda indígena, inclusive, no folclore nordestino, segundo a qual, nos tempos da criação do mundo, os índios eram muito atrasados, não sabiam criar os animais e, tampouco, cultivar a terra. Eles ficavam no alto das árvores, ou em cavernas, para se proteger dos animais ferozes. Foi, então, que surgiu um grande chefe sábio - chamado Sacaibu - que os levou para um lugar onde havia caça. Lá, os índios construíram suas malocas. O sagrado deus Tupã deu uma semente a Sacaibu e pediu-lhe que a plantasse. Ele obedeceu ao grande Mestre e ficou esperando sua germinação. Quando a planta se desenvolveu, Sacaibu observou que, das suas flores, saíam tufos brancos, que os indígenas teceram e fizeram cordas. Por intermédio destas cordas, desceram um abismo e descobriram um povo de muita cultura, que lhes ensinou a viver melhor, a cultivar a terra, a criar os animais, a fazer utensílios variados e a tecer as roupas, com o produto da semente ofertada por Tupã: o algodão.
Os portugueses, por sua vez, apesar de terem cultivado, na Bahia e em Pernambuco, algumas variedades de algodão trazidas do Oriente (que, posteriormente, foram levadas pelos jesuítas para o Sul do país), estavam bem mais interessados no cultivo da cana-de-açúcar. Com a chegada dos escravos africanos, entretanto, por uma questão de necessidade, os colonizadores tiveram que plantar alguns hectares de algodão, para que eles pudessem fazer suas vestimentas.
Na Inglaterra, até meados do século XVIII (1760), a lã e o algodão eram fiados manualmente, em equipamentos rudimentares denominados rocas (ou roçadoras), que apresentavam baixíssimo rendimento. Por outro lado, grande parte dos tecidos de algodão era importada da índia. O Parlamento inglês decidiu, então, cobrar tarifas pesadas sobre as importações estrangeiras, e isto acabou incentivando a própria indústria de tecidos do país. A partir de 1764, James Hargreaves inventou e introduziu no mercado a famosa spinning Jenny, uma máquina de fiar que multiplicou a produção em vinte e quatro vezes, em comparação ao rendimento das antigas rocas. A seguir, o mesmo inventor colocou à disposição do mercado uma nova criação sua: a lançadeira volante fly-schepel.
A combinação do processo de tecelagem com a fiação da spinning Jenny representou uma verdadeira revolução tecnológica, que foi aumentada pela invenção do bastidor hidráulico de Richard Arkwright. Tal criação tornou possível a produção intensiva das tramas longitudinais e latitudinais. Mediante os novos processos mecânicos, a produção aumentou de duzentas a trezentas vezes, em comparação ao que era produzido antes, no mesmo intervalo de tempo.

Em 1792, uma invenção de Eli Whitney, nos Estados Unidos - o descaroçador de algodão - conseguiu separar, mecanicamente, as sementes das fibras do algodão, de modo a reduzir, de forma substantiva, seu preço no mercado mundial. As primeiras máquinas eram pouco dispendiosas, a fim de incentivar a indústria doméstica, mas, com o passar do tempo e o surgimento do tear mecânico, os tecelões manuais tiveram que trabalhar nas fábricas.

A competição com os tecidos de algodão indianos (os mais perfeitos do mundo), bem como os de lã e de linho, levou a Inglaterra a iniciar uma etapa de modernização da produção, através da criação de novos sistemas e novas máquinas. Entre estas, a máquina a vapor, que desenvolveu, sobremaneira, as indústrias de mineração e de transportes ferroviários e marítimos. Portanto, a combinação das invenções no campo da indústria têxtil, assim como a máquina a vapor (já imaginada e desenhada por Leonardo Da Vinci no século XVI) foram responsáveis pelo aumento da produção e da diminuição de seu custo, e promoveram a Revolução Industrial, no período de 1770 a 1870. Todas as inovações e o conseqüente incremento, no comércio mundial, deram à Inglaterra uma extraordinária vantagem: os tecidos produzidos eram leves, baratos, de qualidade, e podiam ser comprados por milhões de pessoas.

Em meados do século XIX, o cultivo do algodão já representava uma das atividades tradicionais, concentrando-se a produção nacional no Nordeste do Brasil, e em algumas áreas da Região Norte, onde a planta é nativa. Devido à sua condição de semi-aridez e resistência às secas, o algodão se tornou a principal opção fitotécnica para os nordestinos. A partir do final da década de 1880, e na de 1890, desenvolveu-se, particularmente no Estado de Pernambuco, a produção de óleo de caroço de algodão, em fábricas pequenas e mal equipadas. No Estado de Alagoas, no ano 1888, passou a funcionar uma fábrica de óleo. E, em São Paulo, no Sul do país, foi inaugurada uma grande fábrica, em 1892.

Nos últimos anos do século XIX, somente cinco países - União Soviética, Estados Unidos, Índia, China e Egito - produziam 98% do total da produção mundial de algodão.

Alguns fatores contribuíram para que, naquele século, a cotonicultura se expandisse no Nordeste do Brasil: 1. a abertura dos portos às nações amigas, em 1808; 2. o crescimento da população e, via de conseqüência, o aumento do consumo de tecidos; e, 3. a paralisação da produção norte-americana, em decorrência da Guerra de Secessão, que impediu os Estados Unidos de atender à demanda do mercado europeu.

Na década de 1910, a Companhia Industrial de Algodão e Óleos (CIDAO), organizada com capital brasileiro, iniciou um extenso programa de investimentos para descaroçar algodão na Região Nordeste. O programa recebeu uma ajuda considerável do Governo Federal e dos Governos Estaduais que se interessaram. Sendo assim, foram instaladas nove usinas de descaroçamento, em diversos locais de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará.

Na cidade do Recife, construiu-se um complexo industrial que centralizou a produção e refinação de óleo; e Campina Grande, na Paraíba, tornou-se uma grande região produtora de algodão. A cotonicultura, explorada por pequenos e médios agricultores, passou a representar uma atividade de grande importância socioeconômica, tanto na oferta de matéria-prima para a indústria têxtil e oleaginosa, quanto na geração de empregos e renda. Historicamente, era chamada de “ouro branco”, pela riqueza que gerava.

O algodão nordestino, produzido em pequenas propriedades, é todo colhido à mão, o que proporciona, quando a operação é bem feita, a obtenção de um produto de elevada qualidade. No país, de um modo geral, são plantadas duas espécies de algodão: uma perene, na Região Nordeste; e outra anual, no Sul e Centro-Oeste.

Há vários tons de fibras de algodão colorido, que variam do creme ao marrom escuro, do verde oliva ao alaranjado. Vale registrar que já foram identificadas, com fibras coloridas, cerca de quarenta variedades de algodão silvestre. No passado, o algodão colorido, por apresentar uma fibra mais fraca e menos uniforme que a do algodão branco, não podia ser usado pelas indústrias têxteis. Entretanto, trabalhos técnicos desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária do Algodão, Embrapa Algodão, em Campina Grande, melhoraram, geneticamente, a qualidade das fibras, o que possibilitou seu processamento industrial. O processo de melhoramento não-transgênico desenvolveu variedades de algodão colorido, com ciclo produtivo de três anos e alto nível de resistência à seca. As roupas confeccionadas na Paraíba, ecológicas por não usar tintas, fazem jus ao direito do selo do Movimento Ambientalista Greenpeace.

Desde 1989, a Embrapa Algodão, deu início a estudos e pesquisas visando obter variedades adaptáveis a novos espaços geográficos, e aumentar a resistência, o comprimento, a uniformidade e a produtividade das fibras. Desse modo, mediante geração e transferência de tecnologias, vem dando uma grande contribuição à cotonicultura. A cada ano, lança, pelo menos, duas novas formas de cultivo, e desenvolve novos sistemas de produção e de manejo integrado de pragas e doenças.

Desenvolvida no ano 2000, a primeira cultivar BRS 200 - constituída pela mistura de partes iguais de várias sementes, e com fibras de cor marrom - foi a primeira cultivar colorida geneticamente plantada no país. Isto contribuiu para o surgimento de emprego, para os artesãos nordestinos e pequenos agricultores familiares.

O algodão colorido tem bastante utilização no artesanato do Nordeste do Brasil e em ornamentação, sob forma de roupas, tapeçarias, colchas, lençóis, almofadas, redes, entre outros produtos.

Algumas tonalidades de cores - a verde, em particular - são influenciadas pela luz solar e tipo de solo onde é cultivado, ao passo que as cores creme e a marrom são mais estáveis. A maioria das espécies primitivas apresenta fibras coloridas na tonalidade marrom. Desde 1984, tais algodoeiros vêm sendo preservados no Banco de Germoplasma, em Patos, Estado da Paraíba. As peças confeccionadas com fibras coloridas naturais são consumidas, em especial, por pessoas alérgicas a corantes sintéticos.

O algodão, além das muitas utilidades, é considerado, pelas autoridades ligadas à agricultura, como um produto muito importante e moderno porque em seu processo de cultivo e industrialização são utilizadas tecnologias avançadas, que geram, não somente o desenvolvimento do conhecimento, como o aumento do valor agregado.

A cotonicultura permite o cultivo intercalado do milho e do feijão, preservando as lavouras de subsistência. O pequeno agricultor colhe o feijão com sessenta dias de plantio; o milho, com noventa; garantindo sua alimentação, e espera a colheita do algodão, que representa “dinheiro vivo”.

Além da fibra, são gerados vários subprodutos do algodão, a exemplo de óleos comestíveis e margarinas (extraídos das sementes e produzidos pela indústria alimentícia); estearina e glicerina (utilizadas pela indústria farmacêutica); e sabões (a partir da borra resultante da refinação do óleo comestível). O piolho do algodão - separado pelas máquinas de descaroçar - é utilizado pela indústria de móveis estofados; e o línter é usado nas indústrias de celulose, algodão hidrófilo, filtros, filmes, explosivos, entre outros produtos. O lixo advindo da varrição das usinas tem valor comercial, também, no tocante à fertilização do solo. Os ramos e folhas do algodão, muito ricos em proteínas e de elevado valor biológico, ainda alimentam o gado. Ademais, da extração industrial do óleo, resulta uma torta que é usada na alimentação animal (uma das rações mais ricas em proteínas); o farelo é utilizado como adubo nitrogenado; a casca é usada como combustível e, finalmente, como último subproduto da combustão, deixa uma cinza com elevado teor de potássio.

Na década de 1980, instaurou-se uma grave crise na cotonicultura brasileira, decorrente da propagação do bicudo (anthonomus grandis boheman), uma praga que reduziu a produção, drasticamente, provocando o êxodo maciço de trabalhadores rurais para os grandes centros urbanos, o fechamento de mais de 1.200 indústrias têxteis, de pequeno e médio porte, e a redução de 500 mil empregos. O Nordeste passou, então, de grande produtor de algodão, com produção superior a 220.000 toneladas de pluma, por ano, para grande importador. O déficit comercial da cadeia têxtil chegou a US$ 1,1 bilhão em 1997. Em meados dos anos 1990, contudo, a fronteira de produção do algodão brasileiro foi transferida para os cerrados, regiões de terras planas, que permitem a mecanização da lavoura, com forte concentração no oeste da Bahia.

No cerrado, o sucesso da cultura do algodoeiro tem sido impulsionado pelas condições do clima favorável, por programas de incentivo à cultura e, sobretudo, pelo uso intensivo de tecnologias modernas.

É de se lamentar, porém, que a comercialização do algodão, por parte dos pequenos agricultores, seja feita de maneira desorganizada, já que eles não tem condições de estocar o produto, de esperar para vender em momento mais oportuno; e, tampouco, tem acesso às informações importantes do mercado. O algodão em caroço é vendido para os intermediários (chamados, também, de atravessadores), que tiram proveito das precárias condições de vida dos agricultores, e diminuem bastante a sua receita. Para estes últimos, o “ouro branco” encontra-se bem longe: quem o plantou ontem, dele não usufruirá amanhã.

Recife, 27 de fevereiro de 2009.


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Semira Adler Vainsencher
semiraadler@gmail.com
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

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